Em sábado de março, ao sol de inverno, o povo sai à rua.
Os governantes revelam diferentes técnicas para escaparem à presença da Grandolagem. Uns, quando interrompidos, escutam "Grândola, Vila morena" até ao fim. Outros reservam-se ao direito de admissão e "Grândola, Vila morena" não entra, fica rua. Há ainda governantes que recorrem à antecipação da hora de chegada e, assim, fogem à audição pública. Há, também, governante que desafine, ou perca o pio e baze. Estratégias de resiliência.
Dia de debate quinzenal com o PM, na AR. Assistia pela Tv, como o faço sempre que posso, quando ouvi vozes que, nas galerias, cantavam Grândola Vila Morena. Calaram o PM. Em casa, juntei a minha voz àquelas que, na casa da democracia, continuavam a cantar enquanto desciam as escadas, depois de evacuada galeria. Senti uma vontade irresistível de fazê-lo. E cantei. Raramente canto. Talvez quisesse reviver a esperança daqueles dias de Abril de 1974. E, à memória, veio o coro de um grupo soldados portugueses que cantavam Grândola Vila Morena no autocarro em que eu também seguia para chegar à escola, lá para os lados da Manutenção Militar, em Luanda.
Éramos jovens, eu e aqueles soldados. Tínhamos todos os sonhos do mundo e a esperança num Portugal diferente. Passados quase 40 anos, já com filhos criados e com netos, temo pelo futuro do meu País.