Manhã cedo, olhar o sapatinho obrigava a criançada e os mais jovens a correrem para cozinha e, sem receio, as prendas eram desembrulhadas apressadamente. Quantas vezes, já tinham sido descobertas! Bem escondidas num dos guarda-fatos, julgava a mãe! Se desconfiava, nada dizia. Havia aquela certeza de que ela sabia, mas não quebrava a cumplicidade dos filhos. Por isso, na hora de abrir as prendas, a alegria espontânea do Natal prevalecia e percorria a casa. Era uma alegria tão especial que só o Natal confere às crianças e que se guarda para toda a vida.
No dia de Natal, à sombra fresca da mandioqueira, comia-se na mesa grande do quintal porque o calor apertava à hora do almoço. Uns anos, criava-se um peru que tomava uma grande bebedeira e acabava gostosamente recheado à mesa. Outros anos, havia cabrito que a comadre Formidável criava na sua casa da Samba. Claro que era cabrito assado no forno de barro, se o animal, entretanto, não tivesse sido devolvido à procedência pela braveza que resultava do toureio que o mano J. resolvia pôr em prática.
Os natais desse tempo deixaram as marcas da alegria, da simplicidade e da despreocupação. Hoje está desvirtuado pelo mercantilismo que o contagia e, mesmo que não se concorde com o modo de ser e viver o Natal, acaba-se por embarcar nas armadilhas do marketing que está muito bem apontado para o alvo que melhor responde às campanhas publicitárias e que tão bem amolece a vontade dos mais crescidos: as crianças. E é por elas que, muitas vezes, os mais velhos se encantam com a época natalícia que logo se faz anunciar pelos centros comerciais, no princípio de cada novembro do calendário e, sem que se queira, é incontornável a recordação de tantos natais da infância em África, onde tudo era descomplicado e o tempo, simplesmente, corria.
in "Natal no tempo dos trópicos" (revisto)