Bom era o tempo do Natal passado em África. Preferível ao Natal coberto por um leve e belo manto de neve. O frio atrofia a alegria do Natal. O quentinho da lareira não consegue superar o calor do Natal no tempo dos trópicos. Não havia árvore de Natal, nem o consumismo a que nos devotamos à conta do Pai Natal. Na varanda que acompanhava toda a frente da casa, com escadas de acesso ao jardim e bem virada ao mar, armava-se um grande presépio numa caixa de madeira cheia de areia da praia e, sobre esta, uma cabana com iluminação que fazia sobressair as principais figuras do presépio. Seguia-se todo o guião cronológico da história do Natal. Só à meia-noite do dia 24, hora do nascimento, era colocado o Menino Jesus nas palhinhas e no dia de Reis, os três Reis Magos, que já faziam parte do cenário, eram deslocados para a entrada da cabana. Não faltavam a estrela brilhante a guiar-lhes o caminho e os anjinhos com o dizer, Glória in excelcis Deo, em letra bem caligrafada pelo mano mais velho. A construção do presépio era um entusiasmo para todos nós, com a supervisão do meu irmão F. que olhava a todos os pormenores.
Na véspera de Natal, o aroma a canela espalhava-se pela casa. Era um dia de azáfama para a minha mãe que fazia os doces tradicionais e não faltavam as rabanadas, os coscorões, a aletria, o pão-de-ló e os mexidos (formigos como são conhecidos no Minho) e eram à rico, como dizia um camarada do meu pai, o Sr. Monteiro, porque além do mel e do vinho do Porto, levavam amêndoas, nozes, pinhões, avelãs e passas de uva. O jantar da Consoada era servido numa mesa muitíssimo comprida, na sala das traseiras da casa e contígua à cozinha, porque a minha família (pais e seis filhos) era grande. Mas não o suficiente para a celebração da festa de Natal. Havia sempre convidados, pessoas longe da família e que os meus pais faziam questão de convidar para connosco passarem a noite de Natal. Na noite da Consoada, comia-se o tradicional bacalhau cozido com todos, cozinhado em grande quantidade porque o que sobrava era para fazer a “roupa-velha” que se comia no início do almoço do dia da Natal. À sobremesa, provavam-se, então, todos os doces tradicionais.
Era à meia-noite que colocávamos o sapatinho junto ao fogão que ficava sob a chaminé da cozinha. A ânsia de ver os presentes que o Menino Jesus trazia não nos deixava dormir e obrigava-nos a madrugar para espreitar sa prendas no sapatinho. Quantas vezes, até já tínhamos descoberto os presentes escondidos num dos guarda-fatos, mas era sempre uma alegria. Aquela alegria que só o Natal continua a dar às crianças. E porque o calor apertava à hora do almoço de Natal, comia-se na mesa do quintal, à sombra fresca da grande mandioqueira. Uns anos, lá em casa, criava-se um peru que era servido recheado. Outros anos, os meus pais davam preferência ao cabrito criado e oferecido pela comadre Formidável, (os meus pais eram padrinhos da filha mais velha), e que os criava na sua casa da Samba. Claro que era cabrito, se ele, entretanto, não fosse devolvido pela braveza que resultava do toureio que o meu irmão J. resolvia fazer-lhe. Seja nos trópicos, seja setentrional, o Natal dos tempos de hoje está desvirtuado pelo consumismo que nos contagia e mesmo que sejamos contra este sistema de vivência da época natalícia, acabamos por embarcar nas armadilhas do marketing publicitário que está muito bem apontado para o alvo que melhor responde à publicidade e que tão bem sabe amolecer a nossa vontade: as crianças.