Na varanda virada ao mar, o presépio ficava montado numa caixa grande de madeira cheia de areia da praia e apoiada em quatro pernas. Sobre a areia fina, era construída a cabana tosca com uma pequena lâmpada elétrica, bem disfarçada, que realçava as principais figuras do presépio: o Menino Jesus, a Virgem Maria e o S. José. Não havia um burrinho, mas não faltava a vaquinha que aqueceria o Menino Deus que seria deitado nas palhinhas da minúscula manjedoura. Um espelho ladeado de conchinhas do mar imitava o lago onde um lindo cisne branco nadava. Na areia fina e dourada, marcavam-se, também, os caminhos com pequenos burgaus por onde os pastores seguiam com os rebanhos, como se caminhassem na direção da cabana. Com a supervisão do mano "Mocho" que olhava todos os pormenores, a montagem do presépio, logo no início das férias escolares, era uma autêntica alegria e seguia a cronologia dos factos, segundo a tradição. À meia-noite do dia 24 de dezembro, o Menino era colocado nas palhinhas e, mais tarde, na Epifania, os reis magos, Belchior, Baltasar e Gaspar, chegavam à entrada da cabana. Afinal, partiam de tão longe, vinham de leste e seguiam o brilho da estrela maior que, colada lá no alto do céu de papel de seda azul-breu e bem cravejado de outras estrelinhas douradas, estendia os raios sobre a cabana, onde dois anjinhos rochunchudos com uma faixa com as palavras Glória in excelcis Deo, em letra bem caligrafada pela mão do mano mais velho, convidavam à adoração do Menino Jesus. Nesse tempo, não havia árvore de Natal, nem o consumismo à conta do Pai Natal, o ícone natalino dos tempos que correm.
Éramos felizes.
excerto in "Natal no tempo dos trópicos" (revisto)
P.S.: "Natal doutro tempo" é dedicado ao meu neto Tiago de 8 anos.